sexta-feira, outubro 31, 2008

Ainda há pessoas generosas

Às vezes, sentados nos nossos sofás, no quentinho das nossas casas, nem nos apercebemos da vida difícil que muitas pessoas levam. Na quarta-feira passada, decidi ir ao Colombo com a minha mãe e regressámos a casa de comboio, por volta das 21.30. Pensar-se-ia (e pensa-se) que, a essa hora, a frequência deste meio de transporte já não é a melhor, mas o que vimos foram pessoas que regressavam dos trabalhos, cansadas, abatidas e sonolentas... A minha mãe tem muita razão quando diz que há muitos que se matam a trabalhar para outros não fazerem nada. Somos um país de desequilíbrios e nem sequer sabemos recompensar quem merece.

Na minha carruagem, para além de trabalhadores, vinha também, sozinho, um menino com cerca de 12 anos. Sem ligar a ninguém, lá vinha ele com o seu material escolar e um saco carregado de roupa, que, segundo me pareceu, devia ser um equipamento. De repente, tirou uma sandes da mochila e comeu-a como se nada fosse. Na opinião da minha mãe, devia ser o seu jantar, mas eu, como optimista, gosto de pensar que não... Enquanto comia, entrou uma senhora que se sentou junto dele e tanto o olhou que ele, na sua simplicidade, perguntou se ela se queria sentar no banco ao seu lado (onde estava o seu saco com roupa). Ela recusou a generosa oferta, afinal, estava bem acomodada e só o olhava porque achava que tudo devia ir dentro da mochila, por precaução. Para que não perdesse nada, para que ninguém se metesse com ele... Não cabia na mochila, desculpava-se ele, por mais esforço que fizesse para amachucar tudo. E a viagem continuava... bem como a sandes dele. Eis que então a mesma senhora tira da mala um sumo e lhe oferece. O menino, por vergonha ou por não querer mesmo, recusou, mas a simplicidade do gesto e a generosidade da senhora são coisas que, hoje em dia, já não se vêem muito. À saída dele, estes dois estranhos despediram-se como se se conhecessem há anos. E, claro, o instinto maternal dela falou mais alto. "Agora tem cuidado, ouviste?", disse-lhe.

Não gosto de falar de brancos, amarelos, negros, mas, neste caso, acho que isso tem de ser mencionado. Hoje em dia, temos tendência para só ver o lado mau desta última comunidade e esquecemo-nos de que há bons e maus em qualquer lado. Naquela carruagem, a maioria das pessoas eram negras, sim, mas nem por isso o ambiente era preocupante e, pessoalmente, não sei se veria alguém branco a ter este gesto de afecto/generosidade para com outro individuo. Foi bonito e, acima de tudo, marcou-me.

6 comentários:

Um post muito bonito :) Afinal (às vezes) ainda podemos acreditar na humanidade das pessoas :)

Um gesto simples que nos enche o coração e faz-nos acreditar que, se quisermos, é possível.
:-)

Gostei de ler. Ninguém ficaria indiferente a esta situação se assistisse a ela como tu assististe...
Afinal, ainda há pessoas boas...

São estas coisas que nos fazem crescer como humanos e como pessoas, ainda existe esperança em mudar este mundo de desigualdades, vou-te contar uma coisa que aconteceu comigo e me tocou muito:

Passei as minhas férias deste ano, no Cacém ( conheces ? ;)), na casa de um casal amigo, sendo que ela era professora na Damaia do ensino recorrente, ou sejam alunos complicados. Uma aluna convidou-nos para irmos almoçar a sua casa, até porque iria estar lá uma equipa de cinema que vai realizar um documentário sobre o bairro deles e nós como somos todos jovens interessados em cinema, gostaríamos de lá estar. Pois, o que eu não sabia é que esse bairro fica mesmo na Cova da Moura. E lá fui eu, todo embrenhado nos meus preconceitos, não por causa da cor deles, mas sim por causa do que se fala sobre eles. e sabes ? levei lá, aquilo que eu chamo um verdadeiro banho de humildade, meninos educadissimos, meigos,alegres, divertidos, e foram momentos que nunca irei esquecer. Isso, e a melhor salada de fruta que comi em toda a minha vida :)

Isto tudo para dizer que senti o mesmo que sentiste no teu ultimo parágrafo, são estas pequenas coisas que marcam uma vida duma pessoa e nos moldam tornando-nos pessoas melhores.

Desconheço onde fica o Cacém, essa bela terra... LOL

Eu passo todos os dias por zonas complicadas: Buraca e Cova da Moura. Nunca tive problemas nenhuns. Já vi meninos brancos e negros serem exemplos de respeito, humildade e simpatia. A evolução enquanto homens depende depois das companhias, daquilo que têm ao seu dispor, do acompanhamento/valores familiares.

Quanto a este gesto, eu sou uma sentimentalista, sim, mas fiquei com as lágrimas nos olhos. Foi simplesmente despretensioso e generoso. Valeu a viagem de comboio tão tardia :D

Confesso que já fiquei com uma lagrimazinha ao canto do olho...

E agora que se aproxima a época do Natal, entristece-me o facto de ainda haver pessoas sem um tecto, pessoas sem um sopa, pessoas sem uma companhia, enquanto nós somos aquecidos pela lareira e pelo espírito do consumismo. Nós que temos bacalhau e os mais variados doces. Nós que não pensamos neles...

Bom fim-de-semana ;)